quinta-feira, 14 de julho de 2011

Artigo | A briga entre o ético e o estético na fotografia documental

                                                            Foto: João Roberto Ripper


O artigo a seguir é uma colaboração de Nelson González Leal.
“A fotografia é o pensar-nos diante do espelho, do estar frente ao ser que a própria vida coloca diante de nós dia após dia. Daí a nossa responsabilidade – ou desafio – perante aquela porção do espelho que nos convida a sentir a realidade esmagadora da imagem refletida.
Seja da dinâmica cotidiana, ou da produção no estúdio, a imagem refletida chega a nós carregada de peso por outro observador que, por vezes, está mais acostumado com a tarefa de procurar dimensões ocultas do imaginário humano, articuladas em nosso meio pelos nossos próprios atos, ainda que quase sempre ignoradas no vórtice do comum (vórtice que faz todo sempre aparente).
Não quer dizer que a fotografia seja uma ética nem uma estética. A fotografia é a construção de um discurso – visual e sensitivo – nutrido do imaginário ao real redimensionado pelas referências vitais do homem, e vai sempre abalar o sentido da vida do ser humano. Sempre, de um jeito ou de outro, no ético e no estético.
Voltada para o documental, a fotografia assume o pleno sentido devastador. Ela descobre, invade, busca e corrompe. O resultado final da imagem fotográfica é a corrupção da origem, que nela perde a natureza primária para se tornar simples referente ou advento complexo. É por isso que em qualquer um dos casos ela é esmagadora. E o advento é especialmente complicado diante da reflexão documentária, pois o que pesa nela é sempre a origem (do referente puro) à imagem fotográfica, a chegada (solene ou não) do esperado por trás do que mostra a referência imediata, o meio que nós próprios criamos.
Tomemos como exemplo o trabalho fotográfico de Sebastião Salgado: o complexo efeito do espelho que ele coloca diante daqueles que enxergam suas imagens como o acontecer profundo do sentido ético e estético da vida no mundo ordinário, que há muito assumiram com a distância do peregrino. Pode-se enxergar o trabalho de Salgado como simples referente de acontecimentos duros, injustos no marco territorial de regiões que consideramos exóticas. De fato, aquela dureza trabalhada com mestria estética torna ainda mais exótica a paisagem territorial e humana nas imagens fotográficas de Salgado – como no caso do livro O berço da desigualdade, belamente editado pela representação da UNESCO no Brasil. Neste, quem poderia contestar o exotismo de imagens como Somália – Escola para moças ou Tailândia – Escola rural na região de Shang May?

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